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Capitania das Trocas: Parte III

“Cerca de dez anos nesta terra desde que lancei a sorte ao Atlântico. Mulheres de todas as faces, homens de pior índole e ouro para aos que já ouro tiveram. Estas matas, serras, descampados...de nada me trouxeram ou deixaram....Do Minho minha angústia, às Minas meu adeus.” Pensou João da Cruz cruzando a rua das Cabeças rumo ao Rosário.


“Dez anos...explorei o ouro de lavagem com negros d’Angola. Contornei serras e lancei-me a voracidade dos tabuleiros, e agora estou...trocando canecas com mulatos em casas afastadas. Caso fossem minhas maneiras no comércio hábito familiar, obteria algumas parcas moedas para a volta, mas disso nada tenho...Marranos¹¹, estes sabem. Talvez nosso senhor nada entenda de mercados; bom sapateiro seria Moisés, bom tropeiro do charque ou como Ignacio Dias, ‘cinco ao contratador, vinte ao mercador; nada mais rentável que negros em Minas’. Malditos marranos! Devo às vendas, minhas reservas...”


“Queres passar a noite na enxovia?” Perguntou um homem de capa escurecida pela terra. Envolto em pensamentos e entorpecido por vinho e água ardente João da Cruz não notara o homem parado a porta de uma casa.


“Não meu senhor, estou a caminho de casa e nada tenho de irregular junto à lei.”, disse João segurando as mãos e fitando o cano da bota.


“Diga me pechelingue, a esta hora na rua talvez esteja voltando de algum lugar onde se machêa mulatas, diga onde.”, o homem se aproxima de João e a ponta de uma adaga reluz.


“Senhor, nada entendo de machear mulatas e, a pesar da hora, sou homem de rasouras e missas. Contudo, creio que nesta ou na rua detrás escutei alguns risos suspeitos e o tanger de violas.”


“O que o homem disse capitão?” Resmungou um soldado que, sorrateiramente flanqueara João. “Podemos capitão?”


“Deixe-o ir, não é Antonio. Mas este lazarento andou macheando a noite toda e fede a água ardente, estamos perto.” Neste momento o homem levanta o braço esquerdo e outros se revelam. O grupo contava com quatro homens armados de espada e adaga.


“Obrigado senhor, que a sorte esteja a seu favor.” disse João, trêmulo.


“Saia logo, ou a enxovia será um sonho para ti”, disse um dos homens com um olhar ameaçador.


“Uniforme de oficial de milícia” – Aquarela, século XVIII: Museu Histórico Natural


¹¹NOVINSKY, Anita. Ser marrano em Minas Colonial. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.21, nº 40, 2001. p.161-176.




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