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Capitania das trocas

Os sons eram da mineração; das alavancas, cavadeiras e almocafres serrando o cascalho rico na beira dos rios. Alguns, com as canelas cobertas pela água, agitavam bateias; outros, certos do achado, transportavam sacos de couro e canudos de taquara¹ carregados do metal que movia a colônia. A capitania era das minas.


"Lavagem do ouro". J. M. RUGENDAS - Viagem pitoresca através do Brasil.

A pesar da atividade extrativista, o quadro econômico da capitania era formado de um complexo agropecuário mercantil² destinado ao seu abastecimento e de outras regiões da colônia, movimentando um mercado interno diversificado e proporcionando o surgimento de uma sociedade classista altamente estratificada. Nesta pirâmide colonial, os interesses e representantes da Coroa ocupavam a extremidade superior. Na base, o negro escravizado. As Minas setecentistas atingiriam, no primeiro quartel do século seguinte, 632 mil habitantes, compostos basicamente de negros cativos, cerca de cento e sessenta nove mil escravos³.


Nesta pirâmide, habitava também Antonio, o sapateiro, Marcelino Batista, o ferrado e seu primo Paulo, o jornaleiro Florêncio, o mercador Luís Pereira e o taverneiro João de Almeida⁴. O sapateiro era filho de uma mulher negra, vinda do Rio de Janeiro e neto de avós do Congo, porém pelo vínculo paterno, um português branco, receberá do pai a liberdade. Por afeto, ou por qualquer outro motivo, Antonio e seu irmão Salvador não eram cativos⁵.


Na cidade, os sons viam das vielas, dos largos, dos sinos das igrejas que marcavam as horas santas e do quintal das casas. Conversas sobre o preço do charque, as notícias da Bahia e a Rasoura do próximo domingo na Capela do Carmo permeavam as ruas da cidade do ouro. Por lá passara, no início do século, o português FranciscoTavares e seu caderno de anotações geográficas. Ao olhar de Tavares esta era a vila mais rica, soberba e opulenta de todas, creditando aos comerciantes que por ali passavam suas características únicas, a pesar da falta de água no verão⁶; porém, quando chovia, os dedos do pé enfiavam-se na lama, ou a sola da bota enterrava-se no barro não tão fundo das ruas principais; próximas à Câmara.


Antonio, o sapateiro, e Salvador seu irmão, que eram naturais da Comarca do Serro Frio, haviam se refugiado na casa de Thomas Correia, que ficava a duas léguas de Villa Rica. Eram acusados do roubo de três hóstias pelo pároco de sua vila, ainda no Distrito Diamantino, e perseguidos pelo Santo Ofício. Thomas Correia, que havia conhecido Antonio em viagem à Vila do Príncipe, temia a ação da Santa Igreja e concedeu aos irmãos três dias de homizio. Depois disso, estariam à sorte do Rei e da fé.


"Mineiros". . J. M. RUGENDAS - Viagem pitoresca através do Brasil.

¹ VIANA, Fábio Henrique. A paisagem sonora de Villa Rica e a música barroca das Minas Gerais (1711-1822). UFMG, 2011.

² FARIA, S. C., FLORENTINO, M., FRAGOSO, J. A economia colonial brasileira (séculos XVI-XIX).São Paulo: Atual, 1998.

³ Ibdem

⁴ SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no Século XVIII. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1999.

⁵ Ibdem

⁶ BRITO, Francisco Tavares de. Itinerario Geografico com a verdadeira descrioçaõ dos Caminhos, Eftradas, Roffas [...]. Sevilha: Na Officina de Antonio da Sylva,1720.

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