top of page

Bemol?

"[por] cada fonte refletir um estágio histórico de uma obra, tem-se como

conseqüência que o texto editado vá refletir a concepção do editor”

(FIGUEIREDO, 2004).


Concordando com Figueiredo, os processos de edição crítica de fontes musicais e o produto final da ação musicológica expressam um posicionamento - ou concepção estilística -, porém, por várias vezes concepções prejudicam a interpretação e investigação de um passado musical. Tendo em vista que em cada sociedade, cada grupo profissional, há um compartilhamento de hábitos, técnicas e linguagens (BLOCH, 2002), o produto final de uma reflexão musicológica deve – distanciado de linearidades positivistas – obter do próprio texto o discurso, assim como do tecido de uma cultura expressam-se seus tecelões. Para tanto, evidências de uma prática comum, indícios, sinais dispersos em realidades esfumaçadas pelo tempo, permitem uma leitura efetiva e decifrada (GINZBURG, 1991); pequenas interseções na urdidura social. Aos nódulos desta trama perpassam fios de todo o tecido, constituindo nós “presos em um sistema de remissões a outros livros, outros textos, outras frases” (FOUCAULT,1997), sendo a interpretação necessária a uma sólida concepção estilística, fundamental à ação musicológica.



Infelizmente, recursos editorias como Aparato Crítico – extensa tabela contendo modificação proposta pelo editor -, através de procedimentos de “conversão, exclusão, inversão de partes ou reconstituição” (PINTO, 2004), apagam tais sinais, eliminando tramas básicas de nossa formação sócio-cultural que tornariam perceptíveis certos contornos identitários (GOMES, 2006), inviabilizando uma leitura crítica das fontes musicais. Sendo a música, objeto desta reflexão, uma linguagem na qual o texto ocorre em dois eixos – vertical, horizontal; espacial, temporal; harmônico e melódico – alterações em um dos extratos modifica, conseqüentemente, todo o texto. Altera-se o signo e o significado. Determinam-se então posicionamentos metodológicos valendo-se da análise do texto musical, porém sendo ela “uma construção simbólica, ou seja, não um reflexo dos fatos musicais [...] mas um modelo que supõem a seleção de traços considerados pertinentes pelo musicólogo” (NATTIEZ, 1990), deve ser a análise também fundamentada em outros traços presentes nesta teia de significados (GEERTZ, 2008). Para tanto torna-se crucial a compreensão de que maneira um gosto musical local modifica profundamente as convenções formais (NERY, 2002), a identificação de uma sociedade heterogenia, de formas abertas, na qual várias verdades conviviam ao mesmo tempo (BRANDÃO, 1993), a diversidade de modelos que percorriam as várias camadas sociais e tomava forma em espaços múltiplos (FERNANDES, 2014), ou seja, “se alguma ou muitas coisas dessas implicações deixam de corresponder a alguma área de ‘fatos observados’, isso certamente se dá porque o modelo foi deduzido e estendido para fora” (WAGNER, 2012).



BLOCH, Marc Léopold Benjamin. Apologia da História, ou o Ofício do Historiador. / BRANDÃO, Domingos Sávio Lins. O Sentido Social da Música em Minas Colonial / FERNANDES, Cristina. As práticas Devocionais Luso-Brasileiras no Final do Antigo Regime / FIGUEIREDO, Carlos Alberto. Copistas, editores e recepção. / FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Tradução / GEERTZ, Clifford. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. / GINZBURG, Carlo. Sinais: Raízes de um paradigma indiciário. / GOMES, Heloísa Toller. Crítica Pós-Colonial em questão. / NATTIEZ, J-J. Semiologia musical e pedagogia da analise. / NERY, Rui Vieira. Dicotomias de fundo na música luso-brasileira do antigo regime / PINTO, Marshal Gaioso. Da missa do Divino Espírito Santo ao Credo de São José do Tocantins / WAGNER, Roy. A invenção da Cultura





sobre o blog

 

um musicólogo, papeis velhos e o virtual

recentes
arquivo
bottom of page